Empreendedores do bem
- Maria Karolina
- 31 de mar. de 2015
- 5 min de leitura
A atitude de empreender frequentemente é confundida com apenas a busca de lucros, isso porque o termo "empreendedor", muitas vezes, é visto como sinônimo de "empresário". Entretanto, o ato de empreender vai além disso: trata-se de mudar a realidade em que estamos inseridos, desafiando a visão tradicional e utilizando modelos de negócios inovadores, podendo ou não visar lucros financeiros. Assim, o empreendedor, pode, através de um negócio, gerar lucros para si, seus sócios e acionistas; mas pode também ter um empreendimento que gere benefícios para a coletividade, sem buscar auferir ganhos financeiros. Quando o objetivo é resolver problemas ambientais ou sociais negligenciados tendo um potencial de transformação positivo na sociedade, a atitude é chamada de "Empreendedorismo Social".
No Brasil, há diversas pessoas e instituições atuando em busca de um negócio social que ajude a comunidade. Dentre os que realizam essa tarefa encontra-se o CRF-RJ, promovendo entre a população o cuidado com a saúde através de suas Ações Sociais, que reúnem farmacêuticos voluntários para aferir a pressão arterial e a glicose sanguínea, além de educar as pessoas sobre a questão da automedicação.
Outras iniciativas que podemos mencionar são os projetos Alunos Contadores de História da UFRJ, no Rio de Janeiro; e o Farmacêuticos da Alegria, em Sergipe, que se destacam por animar o dia de pessoas internadas em hospitais, especialmente crianças, contando com o apoio de profissionais e estudantes da área de farmácia.

Alunos Contadores de História – um exemplo de empreendedorismo desde cedo
Com um livro na mão e boa vontade, alunos de diversos cursos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) se reúnem no IPPMG (Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, um hospital universitário infantil localizado na Cidade Universitária) para realizar uma tarefa muito especial: contar histórias. "Queremos afastar a tristeza e levar um momento lúdico e alegre para as crianças", conta Raphael Santana, aluno de engenharia mecânica e apoiador do projeto Alunos Contadores de História da UFRJ. "É desleal. Recebemos muito mais do que doamos".
E a "contação" de histórias não apenas alegra o dia das crianças que vêm de várias partes do estado, como também estimula o hábito da leitura, inclusive entre os próprios pais que, muitas vezes, tem pouco acesso a livros. "Recebemos cartas de pais relatando que passaram a ler para seus filhos por insistência dos pequenos em querer continuar ouvindo histórias em casa", explica Regina Fonseca, a coordenadora do projeto. "Para incentivar esta atividade, realizamos durante o ano distribuição de livros doados ao projeto para as crianças."
A iniciativa surgiu em 2008, quando voluntários da ONG Viva e Deixe Viver, que realizavam a atividade em vários hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, começaram a ter dificuldades devido ao acesso à Cidade Universitária. "Por este motivo resolvemos abrir espaço para alunos da UFRJ serem contadores de histórias", conta Regina. O trabalho da equipe já rendeu várias menções honrosas e o Prêmio FUJB de Extensão Universitária na área temática da saúde. "O Alunos Contadores de Histórias foi se adequando não somente às necessidades das crianças atendidas, mas também às rotinas do espaço hospitalar", explica a coordenadora. "Além disso, incentiva os alunos participantes a`terem uma formação cidadã com um olhar mais abrangente sobre outra realidade social."
Isandra Meirelles tem 21 anos, está no 9º período do curso de farmácia e participa há mais de um ano no projeto. "Sempre quis realizar algum trabalho voluntário, e quando soube do projeto, fiquei muito interessada. Eu estudava em frente ao IPPMG e não sabia da iniciativa", conta. A estudante ainda diz que o projeto influenciou na escolha do local onde estagia, no Instituto Fernandes Figueira, na Fiocruz. "Depois que comecei no Alunos Contadores de História, decidi que quero trabalhar em um hospital pediátrico." A jovem relata que a experiência de contar história para crianças é muito gratificante, além de ensinar uma importante lição: "Nesse projeto, eu aprendi que não temos noção de quantas coisas boas temos na vida. Essas crianças sempre são receptivas, mesmo com problemas de saúde. Precisamos aprender a ser receptivos com o que já temos."
Farmacêuticos da Alegria – o que acontece quando os estudantes não querem parar
Em 2009, uma proposta inédita surgiu dos alunos do curso de Farmácia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) na disciplina Estágio supervisionado: inserir estudantes em um cenário onde o profissional farmacêutico não costuma estar, como as pediatrias hospitalares. Assim, o projeto Farmacêuticos da Alegria foi criado: "A ideia era, por meio de atividades lúdicas e da arte do palhaço, humanizar o cuidado e educar o público-alvo (inicialmente crianças) em temas de saúde, em especial sobre o Uso Racional de Medicamentos (URM)", explica Genival Júnior, farmacêutico fundador da iniciativa.
Então, em outubro desse mesmo ano, a primeira ação do grupo foi realizada: em comemoração ao Dia das Crianças, duas semanas foram dedicadas pelos estudantes para apresentar teatro de fantoches, que contava a história de um menino que tomava medicamentos escondido da mãe; ler histórias em quadrinhos narrando as aventuras do Cebolinha em vender medicamentos para seus amiguinhos da Turma da Mônica; ensinar as crianças com perguntas-e-respostas sobre medicamentos; além de outras atividades, como gincanas e campanha de arrecadação de brinquedos. Mas não eram apenas as crianças que se beneficiavam: "Depois das atividades, uma tarde era definida para conversar em reservado com pais e cuidadores para dar uma palestra sobre administração de medicamentos pediátricos", relata o farmacêutico.
Entretanto, com o encerramento da disciplina, os Farmacêuticos da Alegria também terminariam. Mas não foi isso o que houve: "Os integrantes que haviam participado da experiência anterior, resolveram, de forma independente, se juntar e realizar a II Semana da Criança no Hospital Universitário em 2010", conta Genival. "E a partir daí, o grupo resolveu se estruturar para realizar outras ações em uma periodicidade maior."
Atualmente, além da participação de estudantes e farmacêuticos, o grupo conta com participantes de outros cursos da área de saúde, como enfermagem, odontologia e medicina, que agem sem fins lucrativos e que não estão vinculados a nenhum órgão público ou qualquer instituição privada. "Trata-se de um grupo de pessoas com objetivos comuns", orgulha-se o fundador. "As ações são programadas em reuniões periódicas de todos os membros. Nestas reuniões são definidos os locais de atuação. A seleção do local é por indicação de qualquer membro ativo dos Farmacêuticos da Alegria ou por convite direto da instituição." Genival conta ainda que, quando o local é definido, um dos membros vai visitá-lo para definir o perfil da instituição, para analisar os espaço físico, o público-alvo, e as expectativas e necessidades do lugar. "Já possuímos atividades semielaboradas, visando cada grupo específico. O projeto não lida apenas com crianças, mas com adultos, pais e cuidadores", diz o farmacêutico. "Também auxiliamos o Hemocentro com campanhas de doação de sangue e medula. O objetivo principal do Farmacêuticos da Alegria é combinar informações científicas do processo saúde-doença-uso de medicamentos com atividades lúdicas. Nossa principal contribuição à sociedade é a educação em saúde."
Futuramente, o grupo pretende se transformar em uma ONG (Organização Não Governamental) com filiais pelo Brasil, atuando em diversos cenários de prática farmacêutica e oferecendo cursos para formação de Farmacêuticos da Alegria, para que outros profissionais sejam capacitados a desenvolver atividades semelhantes. "Os Farmacêuticos da Alegria mostram a cara do Farmacêutico, que além de um universo de atribuições, ganha uma roupagem mais humanizada, dando valor a este importante profissional. Já pensou: I Congresso Brasileiro de Farmacêuticos da Alegria?! No futuro teremos um grande evento para que possamos relatar experiências vividas no projeto", empolga-se Genival, que diz que a maior conquista do trabalho que realizam é o sorriso de várias crianças e adultos hospitalizados. "É um trabalho apaixonante. Por vezes nos questionamos: os Farmacêuticos da Alegria fazem bem pra quem: para o paciente ou para a gente?"
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